sábado, 8 de dezembro de 2012

Posso ser louca, mas não sou burra.



Eu tinha vinte anos, morava em um apartamento na Rua Farme de Amoedo, em Ipanema.
 Era uma tarde linda de verão, não fazia muito calor, coisa incomum para a estação.
Estava tão agradável que resolvi sair para dar uma caminhada.
 Ao chegar à Avenida Vieira Souto, a primeira coisa que fiz foi olhar para o mar e respirar fundo, aquele cheiro da maresia me fascinava.
O lugar estava muito concorrido, parecia que Ipanema inteira tinha saído para passear na mesma hora.
A avenida estava cheia, babás com crianças, pessoas caminhando, outras andando de patins e algumas de bicicleta. Naquela época ainda não existia a ciclovia.
Queria andar em paz, sem me preocupar em esbarrar em ninguém ou ser atropelada, então decidi ir para o vão central, lá estava mais tranquilo.
Estava tão lindo que resolvi dar uma passadinha na casa de uma amiga, para convidá-la para me fazer companhia e juntas desfrutarmos daquele paraíso. Não era muito longe, ela morava na Rua Aníbal de Mendonça, só precisava andar alguns quarteirões.
De repente começou a soprar um vento mais forte, como se o tempo fosse virar. Aquilo era muito estranho, pois o tempo estava firme, o céu totalmente límpido e azul.
As pessoas caminhavam em um movimento frenético de volta para as suas casas.
Quando dei por mim, eu era a única pessoa que sobrara. Não conseguia entender o que tinha acontecido, por que elas tinham fugido tão apavoradas?
Em um piscar de olhos o céu se cobriu de nuvens pesadas e cinzentas. Fiquei intrigada, mas continuei em direção à casa da Denise, era esse o nome da minha amiga.
A esta altura, a casa dela ficava mais próxima do que a minha, e lá com certeza, encontraria abrigo.
Eu vestia um short e uma camiseta. Comecei a sentir frio, e algo pinicava as minhas pernas, era a areia que vinha da praia. Como era possível se eu estava distante?
 Resolvi olhar em direção ao mar, as ondas eram enormes e já chegavam na calçada, a areia fina da praia voava em todas as direções e de tanto em tanto se formavam rodamoinhos.
Comecei a ficar apavorada, não entendia o que estava acontecendo. Quando resolvi olhar para trás, fiquei aterrorizada. Não se via nada, tudo estava coberto por uma neblina densa e escura.
Percebi que era daquilo que as pessoas estavam fugindo e como eu estava andando em direção contrária e sozinha, não tinha percebido.
Apertei o passo, pois a casa da Denise já estava próxima.
Quanto mais eu andava, a sensação era de que mais me afastava do meu destino.
Procurei por alguém que pudesse me dar uma informação sobre o que estava acontecendo.
Atravessei a rua e fui em direção aos prédios e restaurantes da orla.
Estava tudo fechado e não havia mais ninguém. Foi quando vi um homem que vinha em minha direção.
Ao alcançá-lo perguntei se eu estava longe da Rua Aníbal de Mendonça, mas antes mesmo de obter a resposta tive tempo de olhar para a sua figura. Ele já tinha certa idade, sua pele toda encarquilhada, vestia farrapos e estava descalço. Aquele pobre ser fedia muito, que com certeza não sabia o que era tomar um banho, ou usar desodorante há muito tempo.
 Ao responder a minha pergunta, dizendo que eu estava na direção certa e que estava perto, além de ver que ele tinha poucos dentes, senti um bafo de cachaça horrível. Como se não bastasse o meu desespero, ele ainda me perguntou se eu estava maluca por andar na rua sozinha com aquele tempo. Afirmou também que era muito perigoso, que eu estava correndo perigo.
 A informação daquele mendigo bêbado seria confiável? Um ser inconsciente, totalmente fora da realidade. Falava com a língua enrolada e mole, efeitos da bebida, óbvio. Decidi seguir a sua indicação e ir em frente.
A esta altura, a tempestade aumentara, caia uma chuva intensa e tão forte que a minha visão já estava embaçada e a minha roupa encharcada.
Um carro apareceu e quando pensei em pedir socorro, vi que não era boa ideia, parecia estar me seguindo.
A esta altura eu corria tanto,  que a minha velocidade era maior que a do vento.
Finalmente cheguei à rua que buscava, seu nome estava escrito em uma dessas placas indicativas que ficam em pequenos postes nas esquinas.
Sai da avenida e entrei confiante na rua, pensei que a minha desventurada aventura chegara ao fim.
Para minha surpresa os edifícios não eram os que eu conhecia, a rua era sem saída. Não entendia o que estava acontecendo, mas teimosa e sem alternativa, seguia correndo fugindo do carro desconhecido que já estava muito próximo.
Era um beco sem saída, totalmente desconhecido e eu sempre morara em Ipanema.
Minha cabeça estava muito confusa, não podia voltar atrás por causa do carro, seguir em frente era muito arriscado, mas já não me restava alternativa.
 Vi uma propriedade imensa à minha esquerda, cercada por muros altos. Dirigi-me até o que parecia ser o portão de entrada da propriedade e para meu desespero, acima dele estava pendurada uma placa enorme com os seguintes dizeres: Casa de Reabilitação Mental Aníbal de Mendonça.
No instante que acabei de ler a placa, dois homens saltaram do carro e foram em minha direção, um pelo lado direito e o outro pelo lado esquerdo. Um deles trazia algo branco nas mãos.
Gelei! Aquele pano branco me parecia familiar.
Os dois cidadãos me chamaram pelo meu nome, tentaram me acalmar e me convencer a entrar na propriedade por vontade própria.
A esta altura o inevitável aconteceu, me imobilizaram e me vestiram aquela coisa. O tal pano branco era uma camisa de força.
Até hoje ouço os meus gritos: soltem-me eu não sou louca!
Onde moro agora? Na Casa de Reabilitação Mental Aníbal de Mendonça.
Tenho um quarto lindo, só meu, com vista para o jardim e frigobar. Permissão para sair, desde que seja acompanhada por meu enfermeiro particular. Ele é jovem, alto, forte, bonitão, bilíngue e se chama Pablo. O sonho de consumo de qualquer mulher. Agora estou mais calma e tranquila, apesar das minhas limitações mentais.
Assim sendo, conquistei o direito de sair. Posso ir à praia, tenho direito a frequentar o Country Club, passear, e viajar para onde quiser desde que seja de primeira classe e com o Pablo, é claro.
Aliás, agora tenho que arrumar minha bagagem. Amanhã partiremos para a Europa, os psiquiatras disseram que preciso relaxar um pouco, eles temem que eu tenha outra crise e fuja. 
Posso ser louca, mas não sou burra.

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