Infância querida?
Vir
ao mundo foi doloroso, minha mãe queria um menino, chorou.
Quando
bebê tinha fome de leite materno. Ganhei mamadeiras com leite de vaca
engrossadas com Maizena.
Adorava
os encontros em família, aniversários, Natal, dia dos Reis Magos. Mudamos de
pais.
Em
uma escola, em São Paulo, lembro-me de uma professora cruel. Eu mal sabia falar
a nova língua, levantei meu braço e pedi para ir ao banheiro. Fui ouvida, mas
o pedido foi negado. A bruxa me deixou sem opção, em plena sala de aula fiz
pipi nas calças. Ainda lembro-me da dor, do sofrimento, da minha cabeça
abaixada, escondida entre meus braços cruzados na carteira escolar querendo me
esconder. Quanta vergonha! Ainda sinto o choro soluçante, a urina quente
escorrendo pela minha saia, minhas pernas, meias soquete, sapatos e finalmente
o charco no chão. Ainda faltava pegar o bonde para voltar para casa, não sabia
o que fazer, estava toda molhada. O meu irmão? Este se distanciou, eu o envergonhara,
fingiu não me conhecer.
Eu
sempre era motivo de chacota, debochavam das minhas roupas, do meu jeito de
agir, falar ou do meu corpo gorducho. Eles sempre encontravam um motivo para me
excluir das brincadeiras e humilhar.
Um
dia depois da saída, fui expulsa de dentro da escola, pois já tinha passado a
hora de fechar. Deixaram-me sozinha na calçada. Lembro-me dos portões enormes de grade
fechados, de escurecer, do medo, do frio, da fome e nada da minha mãe aparecer.
Andava de um lado para o outro sem saber o que fazer, não tinha dinheiro, e
mesmo que tivesse, não saberia qual era o bonde que tinha que pegar. Em um belo
momento ela finalmente apareceu, simplesmente pediu desculpas, disse que estava
estudando com meu irmão e me esquecera.
Chega! Eu pulo esta parte e muitas outras também.
Não quero
relembrar mais nada. Será que minha memória falha? Quanto mais me esforço para
lembrar mais dor eu sinto.
Onde
está a minha infância que tinha que ser querida?
Covardes
de uma figa, eu só queria me sentir amada.
Como
foi o prazer de me tratar como um ET?
Passei
por uma infância triste, excluída, fiz-me adolescente, e adulta quase sozinha.
Covardes,
mil vezes covardes, só me amaram no fim da transformação. Orgulhavam-se no que eu
tinha me transformado, como se eu fosse obra deles. Ridículos!
Creio
que Deus e uma legião de anjos me protegeram e ainda protegem.
É
claro que existiram momentos felizes em minha vida, só que se perdem no meio de
tanta podridão.
Estou
consciente de que outras pessoas vivenciaram coisas muito piores, sobreviveram
com garra e vivem suas vidas com naturalidade e alegria.
A
pergunta que não quer calar é por que me pediram para lembrar e escrever sobre
a minha infância?
Deve
ter sido para me dar a certeza de que Deus existe e que está sempre de plantão.
Viviana Moreira
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