Um
dia, de um mês e de um ano qualquer em um lugar comum.
Diálogos
com Ninguém
Diálogo I
Alguém
me pergunta: Quem é você e o que quer da vida?
Respondo a principio, com gargalhadas
irônicas.
Eu? Você tem certeza do que está pedindo?
Alguém responde: Claro
que tenho!
Ele respondeu com muita convicção, logo não
me restou alternativa. Prepare-se camarada que lá vai à resposta.
Sou um ser humano porque assim o dizem, mas,
fora do contexto, pois não acredito nos homens, na dita lei dos homens, na
educação dada nas escolas, sejam elas inferiores ou superiores, nos conceitos e
preconceitos impostos por esta sociedade hipócrita e covarde.
Minha voz é inaudível, minha arte é
incompreendida, os que a vem não gostam ou não podem enxergar o meu grito.
Minhas ideias são radicais e contrárias, logo,
para alguns não existo, para outros sou desequilibrada ou chata.
Quero que o ser, dito humano, seja
exterminado da face da Terra, pois Ela não tem culpa de nada e hoje é
sofrimento, está irremediavelmente decepcionada, ferida, agonizante e triste.
Quero terremotos, tempestades, enchentes,
secas, tsunamis, vulcões em erupção, ciclones, tornados, furacões... Aviões
espatifando-se sobre torres gêmeas, trigêmeas, quadrigêmeas...
Quero que o planeta seja varrido e limpo. Aqui
não existem inocentes, somos todos culpados. Culpados sim, uns porque são
podres por natureza, outros por serem títeres participantes desta palhaçada
cruel. Existem também os omissos e os que não fazem a menor diferença como eu.
Basta! Estou farta de discursos falsos,
moralistas e sem sentido.
Estou cansada das manchetes nos jornais, de
perceber que o homem sempre pode ser mais cruel. Não temos salvação.
Não pertenço a nenhuma tribo, não quero mais falar,
ouvir nem ver.
Quero sair daqui, não pertenço a este lugar.
Não consigo agir nem reagir. Sinto-me suja,
imunda, contaminada, apodrecendo.
Muito tempo atrás eu achava que era forte,
acreditava que podia mudar alguma coisa, sentia-me capaz. Hoje? Vejo-me como
uma fera enjaulada, debatendo-se inutilmente contra as grades intransponíveis que
de alguma maneira eu mesma me impus.
Hoje? Descrente
de tudo e de todos, acuada, ferida e cansada.
Pergunto então: Quem é você?
Eu? Eu sou Ninguém.
Acabo
dando gargalhadas irônicas e afirmando: Eu já desconfiava.
Diálogo II
Repito a pergunta que
Ninguém me fez: Quem é você e o que quer da vida?
– Já disse! Sou Ninguém.
O que quero? Quero você! Sou ignorante e tenho sede de saber.
Espontaneamente escapam-me aquelas
gargalhadas irônicas que fazem parte do meu ser. Depois de passados alguns
instantes, respondo:
– Meu querido, você tem certeza do
que está pedindo? Pense, se você ignora
fica muito mais fácil viver. Você é uma folha em branco e está pedindo que eu preencha.
Esta é uma tarefa difícil, requer muita responsabilidade.
Eu sou uma folha quase que completa, com
vícios, defeitos e contaminada pela existência. Tem certeza que quer os meus
conhecimentos, os meus questionamentos? Em algum lugar devem existir seres mais
apropriados para esta tarefa.
– Quero você! Insiste Ninguém.
– Tudo bem! Sorrindo, falo: Você não é deste
planeta.
Não
estou apta para tanto, meu tempo como professora já era, mas perante tanta
insistência não me resta alternativa a não ser falar.
Neste momento fez-se um branco em minha mente.
Por onde começar a explanação? Esta situação além
de incomum é muito louca para a minha cabeça. Vivo o momento da negação, dentro
de um turbilhão de sentimentos. As imagens e ideias passam por mim em uma
velocidade inacreditável.
Passado ou presente? Perto ou longe? Verdade
ou mentira? Sinceridade ou falsidade? Felicidade ou tristeza? Certo ou errado? Bom
ou mau? Bem ou mal? Bonito ou feio? Vida ou morte? Guerra ou paz? Moral ou
imoral? Coragem ou medo? Tolerância ou intolerância? Claridade ou escuridão?
Visão ou cegueira? Audição ou surdez? Doce ou amargo? Tato? Olfato? Honra? Pureza?
Amizade? Solidariedade? Respeito? Fidelidade? Compreensão? Dedicação? Ternura? Gentileza?
Tolerância? Paciência? Harmonia? Bondade? Dignidade? Alegria? Liberdade?
Cumplicidade? Pureza? Sabedoria? Inteligência? Diálogo? Criatividade? Trabalho?
Valor? Ética? Postura? Perdão? Igualdade? Imparcialidade? Equilíbrio? Fé? Amor?
Saudade? Ansiedade? Conveniência? Obrigatoriedade? Vergonha? Ignorância? Degradação?
Corrupção? Manipulação? Soberba? Apego? Traição?
Egoísmo? Ira? Vingança? Violência? Sofrimento? Perda? Impunidade? Cansaço? Ilusão?
Ciúme? Dor? Fim?!
Este último parágrafo poderia ser infinito,
mas meu ser está esgotado, não estou a fim de refletir, ensinar, falar, dialogar
e muito menos debater.
As coisas aqui já ultrapassam o sentido do
que é lógico, não existem valores e muito menos modelos comprovadamente certos
a seguir. Sinto-me vencida pela mediocridade.
Por quê? Para que? Por onde começar? Para
onde ir?
Perdoe-me, mas é melhor você continuar sendo
Ninguém do que entrar nesta roda.
Quer saber de uma coisa simples? Fica na sua
e continua ignorando. Sai fora, antes que seja tarde, te corrompam e te joguem
no sistema que chamam Vida.
Foge Ninguém! Foge e se puderes me leva contigo.
Diálogo III
– Olá! Oi! Ninguém! Você ainda está aí ou
resolveu seguir o meu conselho de dar o fora?
Chamo por ele repetidas vezes, mas não
obtenho resposta. Entretanto decido continuar a falar, afinal ele é um bom
ouvinte.
Pausa, pois agora tenho que dar minhas
gargalhadas irônicas, é inevitável. Falar com ninguém é ótimo!
– Querido Ninguém nem te conheço, mas já me
afeiçoei. Tenho umas coisas para compartilhar contigo. Caí na asneira de
mostrar os meus escritos à uma pessoa muito próxima a mim, e ela, direta e
francamente respondeu-me o seguinte: Você pensa assim? Deveria dar um tiro na
cabeça.
– Eu
já falei! As pessoas não me entendem. É uma merda.
– O telefone toca. Atendo, e uma mulher diz:
Falo em nome do Lar de não sei quem, que abriga a não sei quantos velhinhos,
mais outra tantas criancinhas (milhares), peço uma colaboração de 50 reais para
repor o leitinho, as fraldinhas... Nem espero ela acabar de falar, a resposta
sai da minha boca sem pestanejar: Minha senhora; encontro-me na mesma situação,
preciso de ajuda. Ela meio sem graça respondeu que esperava que eu encontrasse
alguém que o fizesse. Respondo dizendo amém e desligo.
– Puta
que pariu, eu nunca ouvi falar do tal Lar, que pelo número de pessoas que a tal
disse que abrigava já deveria ser quase uma cidade. Estou tranquila no meu
canto e uma fulana, vinda de não sei aonde vem interromper meu raciocínio,
assim abruptamente. Nada contra os velhinhos, muito menos contra as
criancinhas, mas tudo contra golpistas mentirosos e o papo furado fora de hora
e lugar.
Que saco! Sorrio, pois me lembro dos meus
alunos, eles tinham por hábito usar essa expressão e eu a detestava.
Não creia que sou insensível, mas aqui temos
que estar preparados para todo tipo de falcatrua. Existem uns espertinhos que
se aproveitam para falar em nome dos desfavorecidos para tirar-te o sangue.
Ponham aqui na porta da minha casa uma dessas pessoas desfavorecidas e deixem
que eu a ajude, mas chantagem emocional não. Vão todos para os quintos dos
infernos. Onde fica? Não tenho a menor ideia, mas é muito comum por aqui usar
esta expressão e existem outras bem piores que deixarei para usar, quando
formos mais íntimos.
–Onde é mesmo que paramos? Ah! Lembrei: no
tiro na cabeça. Pois é, isso é contra a minha religião e contra os meus
princípios, logo, não posso matar-me. Você deve estar se perguntando qual é a
minha religião? Desculpa amigo, ela é só minha você não a entenderia por mais
que eu explicasse, porém para não deixar-te sem resposta, conto-te que afirmo
todos os dias que tenho fé, rezo e acredito em Deus.
Agora me vem à cabeça pedacinhos de melodias
e letras de músicas tipo:
– Dizem que sou louco por pensar assim...
– A vida vai melhorar, a vida vai melhorar...
– Mamãe! Mamãe! Mamãe!
– Lava roupa todo dia, que agonia... Ouço o
ruído da máquina centrifugando a roupa, tenho que partir e pendurá-la no varal.
Até!
Diálogo
IV
Ser
mãe, o que é isso? Bela pergunta me faço.
Quando
ela é boa, dedicada e amorosa, geralmente é valorizada por seus filhos quando
está doente, velha ou após sua morte, mas na maioria das vezes nem é
reconhecida. Lógico que existem exceções.
Os filhos acham que ela não faz mais do que
sua obrigação, a culpam por um monte de coisas, mesmo que ela tenha se
esforçado sempre para dar o melhor de si, ainda que tenha feito de tudo para
poupá-los, defendê-los e educá-los. Ela não passa de ser ultrapassado, quase
obsoleto, um farrapo velho que talvez seja lembrado no Dia das Mães, no Natal
ou quiçá em seu aniversário.
Quando ela não é boa mãe, ou seja:
manipuladora, castradora, chantagista, egoísta, seca, pois não tem amor para
dar, os efeitos sobre os filhos geralmente são catastróficos.
As gargalhadas irônicas ficam bem neste
momento.
Dizem que ser mãe é padecer no paraíso. Cadê
o paraíso? Não sei, só posso dizer que ser mãe para mim foi conhecer o amor
incondicional e preocupar-me para o resto da vida. Para mim é impossível
abandonar um filho a própria sorte, mesmo que já seja adulto.
Onde foi que eu errei? Em poupá-los demais e
mimá-los compulsivamente.
Que droga!
Sou assim, com o mais puro e burro emocional que conheço. Que emocional!
Coitadinho tão démodé e retardado.
Ah! Em compensação meu lado racional. Que
beleza! Atrofiado, mas tão atrofiado que às vezes nem eu mesma consigo
conectar- me com ele.
Acabo de descobrir que além da fibromialgia e
de outras cositas más padeço de: idiotia, imbecilidade crônica e estou
totalmente lesada.
Pergunto-me o que é ser filha ou filho?
Esta pergunta também é boa. Não é fácil, temos
que respeitar e honrar os pais mesmo que achemos que eles estão totalmente errados.
Depois que ficamos adultos temos a mania de julgá-los, criticá-los, culpá-los
por tudo; lógico assim fica mais fácil do que assumir os próprios erros. Juramos
que quando formos pais faremos tudo diferente.
Os meus não se saíram tão mal, existem uns que
são verdadeiros monstros. Os perfeitos não existem. Aliás, pré- requisito no
planeta amar os pais, amar os filhos, independente do que eles forem o que não
quer dizer que isso seja uma regra seguida.
Criticar!
Questionar! Desconfiar! Julgar! Que maravilha! Fazemos isso o tempo todo é
muito fácil, encontrar as respostas certas é que é o problema.
Dou
aquelas gargalhadas costumeiras e afirmo: Amai o próximo como a ti mesmo! Só
Jesus!
Paciência, muita paciência nesta
hora. Respiro fundo e obviamente tusso, sou fumante e o pigarro também faz
parte.
Minha consciência desperta por uns momentos e
me diz: Não se faça de vítima, não tema, diminua a intensidade, tenha
paciência, procure o equilíbrio, focalize-se com a realidade dos fatos
friamente e vença os obstáculos. Você pode. Acredite!
Gostaria muito que minha consciência ficasse
desperta por mais tempo, mas mesmo assim muito obrigada pelo toque.
A realidade me chama, vou pegar a
vassoura e a pá para recolher o lixo.
Diálogo V
Socorro Ninguém!
Quantas batalhas tenho que lutar?
Quantas peças tenho que encenar?
Quantas máscaras tenho que usar?
Quantas personagens tenho que
incorporar?
Como voltar a roda da vida?
Não estou nem nunca estive apta para
enfrentamentos, só os faço quando são inevitáveis.
Por
que não posso ser eu mesma?
Porque
tenho que representar?
Tenho
que encontrar minha armadura, minha capa e espada. Procurar pelo que nunca tive
seria uma tarefa difícil, e se os tive e os perdi, provavelmente foi porque não
soube usá-los ou nem os reconheci. Pois é, aqui estou não vejo futuro, quero
esquecer o passado e me esconder do presente. A verdade é que nunca soube me
proteger.
Lutar, lutar e lutar. Estou farta! Sinto-me
muito fraca, algumas feridas deixadas pelo passado estão expostas e outras aparentemente
cicatrizadas, ainda machucam.
Algumas vezes sinto-me como Dom Quixote de La
Mancha lutando contra os moinhos de vento, outras como Joana D’Arc queimando na
fogueira.
Gostaria de ser como a Mercedez Soza que sabia
expressar tão bem seus sentimentos, quer fosse com relação à vida, quer fosse para
retratar o sofrimento ou a revolta de seu povo, e o mais importante, ela era
ouvida.
Não tenho melodias, me faltam as letras, não
tenho voz e não sei cantar. Faltam-me atributos. Como posso então cantar a
minha visão do mundo, da vida, do povo, cantar minha revolta, as dores da gente
e as minhas?
O que querem de mim? O que eu quero?
Uma ave ferida gravemente não voa, não come,
não canta. Ela fica acuada, escondida em algum canto, triste, esperando que a morte
venha lhe buscar.
Estou ferida, porém não espero a morte, mas
sim busco uma saída e não a vejo. Será, que para defender-me, vendei meus
olhos, se foi assim, só serviu para dificultar meu caminhar, pois não me
impediu de sentir na pele os horrores da vida. Que ridícula!
A capacidade que o ser humano tem em
superar-se em sua maldade é inaceitável e incrível. Ele muda mais rápido do que
um camaleão é tão rápido que na maioria das vezes ficamos indefesos, e com o
tempo acreditamos que isso é natural, nos habituamos tanto a crueldade que por
vezes nem a notamos. Não consigo acreditar que ser perverso tenha que fazer
parte do perfil de nenhum ser, muito menos o dito racional.
O mundo, a humanidade está perdida?
Creio que sim, mas não sou a dona da verdade. Espero um milagre, ou melhor,
muitos milagres.
Certezas? Tenho algumas, por exemplo: o
planeta Terra é a coisa mais bela que Deus nos deu e que o homem estragou. Amo
a natureza com todo o seu esplendor, e por falar em amor, neste momento tenho
um insight. Pode ser a salvação! Pronto! Achei uma saída! É óbvio o que falta é
amor.
Diálogo VI
Ninguém resolve dar o ar da graça e assim
como quem não quer nada pergunta:
– O que é o amor?
– Caramba! Que susto! Onde você estava? Some
e reaparece assim do nada, como em um passe de mágica.
– É que eu só me manifesto quando o assunto me
interessa ou quando parece ser importante.
– Você está insinuando que o que eu digo não serve
para nada? Seu...
– Calma! Não quero participar de falas que a
meu ver pareçam desinteressantes ou que não acrescentem nada de especial ao meu
ser. Estou em fase de crescimento, quero agregar coisas boas, positivas e que
possa tirar proveito.
– Tudo bem, respeito sua forma de pensar desde
que respeite a minha. Vamos à resposta, ou melhor, as respostas.
Meu amigo, esta pergunta é difícil, primeiro
porque atualmente se fala muito em amor, mas na prática, raramente se pratica.
Depois porque o uso indiscriminado e inadequado roubou-lhe o verdadeiro sentido
e transformou-o em algo banal, corriqueiro, falso e sem o devido teor.
– Alguém reclama: Você está fugindo da
resposta, está só justificando a falta dele, quero saber o que é o amor?
–Não posso definir a palavra amor, sem
refletir, ela é muito importante. Não existe um sinônimo, uma só palavra não o
contém ele é muito complexo.
Amor! Amar! Amado! Amada! Amando! Amados!
– Calma Ninguém! A paciência é uma grande
virtude e saber ouvir também.
Penso comigo: também tenho que ter
paciência. Tenho que lavar a roupa e a louça, tenho que cozinhar, tenho que dar
faxina nos banheiros, tenho que cuidar das plantas e dos animais do lar doce
lar, tenho que varrer, tenho que tirar o pó, tenho que limpar os vidros, tenho
que cozinhar, tenho que ter dinheiro para pagar as contas no fim do mês, tenho
que ouvir, etc.
Ufa! Cansei só de pensar e de escrever sobre
alguns dos tenho que tenho que fazer. Não cumpro todos é claro, faltam-me
forças, tempo, e às vezes vontade para isso.
– Ninguém diz irritado: Quero a
minha resposta! O que é o amor?
– Você está me acuando e eu não
gosto disto. O problema é que ainda não encontrei uma resposta que ache
convincente, completa e verdadeira.
Preste atenção! Aqui na Terra sempre temos
duas situações. Para ser mais sucinta: como posso amar o belo se desconheço o
que é feio? Se não existe a escuridão não sei o que é a luz e por aí vai, a
lista dos opostos é longa, eles têm que existir para que possamos fazer nossas
escolhas.
Vou falar do que amo, depois do
desamor que vejo estampado no dia a dia e aí você tira as suas próprias
conclusões, use o seu poder de dedução, se é que você sabe o que é isso.
Amo a Terra, sua natureza indecifrável,
mística, única e indiscutivelmente bela. Pode ser serena e tranquila, outras
vezes ela revida os males que lhe atingem magnificamente, implacavelmente e sem
piedade.
Como não amar os reinos: animal,
vegetal e mineral? Para mim é impossível, se bem que existem algumas exceções.
Detesto os bichos como: aranhas, formigas, ratos, baratas, mosquitos, etc.
Vou te dar um exemplo: tenho um
canteiro com plantas que semeei com todo o meu amor, coloquei terra
especialmente preparada para elas, rego-as sempre que necessário, falo com
elas, lhes dou amor, carinho e adubo. Observo-as crescendo aos poucos, depois que
crescem e me brindam com a beleza de suas flores, como que me agradecendo e aí...
Vem à praga das formigas, as fere mortalmente e as destrói. Que faço? Fico
muito zangada e não quero nem saber se o pato é macho, veneno nelas, as persigo
sem trégua até exterminá-las por completo.
Ouvi dizer que tudo no planeta tem
sua função, seu porquê de existir.
Qual é o das formigas? Servem de quitute para
algumas tribos, para os orientais, e para os tamanduás, até aqui tudo muito
positivo, mas algumas espécies cometem o crime de se alimentar de plantas.
Ah! Queridas
formigas, vocês podem tudo, desde que se mantenham longe das minhas plantas.
Onde eu moro não existem tribos, orientais,
nem tamanduás, e eu desconheço alguma outra função que seja positiva, logo para
mim não são um manjar, são uma praga.
Morte as formigas que vem se alimentar no meu
jardim! Acho isto muito justo, elas com certeza não devem achar, aliás, não creio
que elas achem nada, mas também são criaturas de Deus. Oh! Sou uma criminosa.
– Ninguém, você está me entendendo?
– Ele responde com gargalhadas
irônicas.
– Filho da mãe! Você aprende rápido, seu
irreverente, sacana e debochado. Pois lá vai uma pergunta: Você já se dedicou a
criar alguma coisa? Aposto que não, pois saiba que somos responsáveis por
aquilo que criamos. Se eu criasse tamanduás, viveria catando formigueiros ou
criando formigas para alimentá-los.
Ora bolas! Quer saber de uma coisa, como eu
já disse anteriormente: morte as formigas e sem o menor remorso. Amo as minhas
plantas e defendo-as a qualquer preço, principalmente porque elas são
indefesas, não incomodam ninguém, só são belas e enfeitam. Cuidá-las e
admirá-las me purifica, pacifica, eleva o meu ser.
Existe também o amor incondicional ao seu
semelhante, este então é o maior de todos, não impõe condições, não depende de
reciprocidade e não tem preço.
Pois bem, até agora eu só experimentei uma
forma de amor incondicional que é o amor que sinto por meus filhos. Como posso
explicar este sentimento? Ele é insubstituível, incomparável, superior, não tem
medida, só algumas mães têm capacidade de senti-lo e eu felizmente sou uma das
agraciadas com este dom.
Jesus Cristo pregou um tipo de amor muito
célebre: ama o próximo como a ti mesmo. Este tipo, na atualidade, para mim, é
impraticável, parece-me uma piada, que me desculpe Jesus. Talvez seja porque o
próximo me sugere a ideia de perigo, dor, nojo, traição e de medo, logo, há a necessidade
de defesa.
Uma coisa que praticamos muito é o ataque,
dizem que é a melhor defesa, então meu caro amigo, estamos todos em posição de
ataque, muitas das vezes nem sabemos o porquê, mas atacamos seja com palavras,
seja com atitudes, mas geralmente atacamos.
Nossos corações estão enrijecendo, estamos
perdendo a ternura, a fé.
Diálogo VII
– O que é a fé?
– Caramba Ninguém! Você tem cada pergunta. Mal
consigo explicar o que é amor e você já emplaca com uma pergunta desse porte.
Fé é acreditar com toda convicção, é a não
existência de dúvida. A fé pode estar em toda parte. Fé no presente, no futuro,
em dias melhores, na vida, em uma determinada religião ou crença, em Deus.
Esta última é a mais complicada, porque temos
que ter uma definição, uma ideia do que Ele é do que significa. Existe uma
infinidade de religiões pregando Deus de diferentes maneiras e brigando entre
si para ver quem é a dona da verdade.
Não tenho
a menor ideia de quantas religiões existem no planeta, tenho simpatia por
algumas, mas não sigo nenhuma, primeiro por ignorância e em segundo lugar por
não acreditar que Deus possa ser encapsulado, enjaulado, preso em um
determinado lugar e muito menos que tenha dono.
Vejo Deus em toda parte, está nas pequenas e
nas grandes coisas. Ele está em mim em você, é único, não tem medida, não tem
forma. Está no ar que respiro, na água que bebo, nos alimentos, é onipresente e
onipotente. Não creio em um Deus que julgue e que puna, ele é o amor mais puro
e incomensurável. Ele é criação, jamais destruição, é a cura, nunca a doença, é
o bem oposto do mal.
Neste momento o mal e os maus são maioria, a
coisa está desequilibrada. De quem é a culpa? Nós, os seres humanos somos os únicos
culpados.
– Por que você acredita que os seres humanos
são únicos culpados?
– Porque perdemos a noção das coisas, a
grande maioria está cega, outros vêm, mas não enxergam, existem os que se
sentem impotentes na frente desta batalha onde não há vencedores.
Os sentimentos predominantes são: vaidade, egoísmo,
cobiça, ganância, inveja e o desejo desmedido do poder.
Ah o poder! Ah a posse! Lembro-me da
felicidade estampada na face das crianças quando têm a melhor nota da turma,
quando ganham uma competição, quando recebem um presente melhor do que o
coleguinha ou do que seus próprios irmãos, eles se sentem poderosos e
superiores. Esses sentimentos se alastram e sem sentir fazem parte da vida
adulta como se fossem naturais.
Que efeito catastrófico! Como ficam os
colegas da turma que tem notas menores, os coleguinhas que perderam a
competição e os irmãos que se sentem preteridos?
Se fizermos um calculo é claro que estes
seres que a principio são tidos como inferiores, perdedores, serão a grande maioria
e que ao chegar à fase adulta provavelmente farão de tudo para alcançar o topo.
A sede de vingança foi incorporada. Alguns conseguirão chegar, outros ocuparão
eternamente os últimos lugares da fila.
As crianças quando adultas, falo especialmente
daquelas que ocupavam o topo, as que estavam sempre ocupando os primeiros
lugares, pois é, nem sempre conseguem manter suas posições e quando chegam as
que vêm de baixo e as ultrapassam... Caramba, instala-se a frustração, o ódio e
o caos. É raro, mas as posições na disputa pelo poder, às vezes se invertem.
A educação está errada! Em casa, nas escolas
e nas ruas.
Diálogo
VIII
Ontem estava olhando uma cadeia de
montanhas pela janela, e esta visão me fez refletir, questionar. Aliás, é isso
que faço o tempo todo, pensar, refletir, questionar, sempre tentando entender; procurando
respostas.
Voltando a cadeia de montanhas, quis me
lembrar em como se classifica o relevo. Seria em: planícies, planaltos,
cordilheiras, montanhas, serrado... Parece que faltei a todas as aulas de
geografia, o que não é verdade.
Agora sinto falta do saber e da cultura que
um dia desdenhei.
Quando adolescente, o colégio era
sinônimo de prisão, de coisas que não me despertavam o menor interesse, naquele
momento eu queria o mundo lá fora, os amigos, ver o por do sol no Arpoador, a
praia, passear no Jardim Botânico, ir ao cinema, enfim diversão.
Não via a menor utilidade na escola, não
fazia sentido, para quê aprender trigonometria, álgebra, geometria, geografia,
química, historia, português, inglês, etc. As aulas e os professores eram
chatos, quando podia, dava um jeito de perder a hora ou simplesmente matava
aula. Esperava os feriados e as férias com ansiedade. Meu sentimento para com a
escola e para com todos os ensinamentos que ela englobava era tão ruim que eu preferia
ficar em casa doente do ter que aturá-la.
A escola de hoje continua igual,
desinteressante, ultrapassada e decadente. Os alunos, salvo algumas exceções,
não a suportam mais.
Onde está o erro? Está na metodologia, no
pedagogês, na falta de disciplina e na politicagem. Entre tantas coisas erradas
podemos acrescentar os fatos de que não se pode reprovar um aluno, chamar sua
atenção, aliás, é melhor nem tocá-lo, pode ser visto como assédio sexual.
Tantos erros acarretam em defasagem e a
ausência dos alunos. Para quê ir à escola?
Em casa os pais estão cada vez mais
ausentes e permissivos. Os pequenos podem tudo. Não vamos traumatizar as
crianças!
Quando em casa, ficam na frente de
uma tela de televisão, jogando vídeo games ou navegando em sites improdutivos da
internet.
Na rua! Ficam expostos a todo tipo
de violência e drogas.
Quero um mestre!
Onde estão os valores como a ética, sinceridade,
honra, respeito, integridade, lealdade e moral? Caíram em desuso.
O que tem valia é ser esperto, corrupto,
viver na ilegalidade, na marginalidade, levar vantagem em tudo custe o que
custar.
Não consigo me enquadrar, ser conivente, estou
fora do compasso atual.
O que acontece me machuca e me revolta, meu
sangue ferve. Vejo muitas coisas erradas, a impunidade, a covardia e a deslealdade
são a ordem do dia.
Para mim é muito
fácil detectar o que está errado, encontrar a maneira de consertar as coisas
está fora do meu alcance, logo é como alguns dizem: É chover no molhado.
Eu não sou daqui
Marinheiro só
Eu não tenho amor
Marinheiro só
Eu tenho Ninguém.
Diálogo IX
Ei ninguém!
Acorda! Presta atenção!
Outros lances interessantes são os costumes,
os hábitos, os modismos, que geralmente são importados dos EUA e estão mudando
a nossa cara latina.
Os modelos que adaptados a nossa realidade geram
um belo caos.
Por exemplo, quando se trata da sexualidade
dos jovens a coisa funciona mais ou menos assim:
Meu filho é um galinha. Que maravilha!
Responde a sociedade.
Minha filha adora dar beijo na boca e ficar
com meninos, ou seja, lá qual for o termo usado no momento. É uma vadia! Excluam-na! Determina a
sociedade.
O filho de fulana é gay. Fora com ele! Não
serve, é uma laranja podre. Vamos ficar de olho na família dele também.
A filha de fulano é sapatão. Oh! Qué horror! Que nojo! Não quero nem saber, que queime no fogo do inferno.
O que ocorre agora é muito interessante: os
jovens decidiram dar um nó na cabeça dos ditos adultos, os tais que são os
donos da bola, os que têm poder, os juízes que determinam os que permanecem, os
quem saem do jogo, os que ganham ou os que perdem.
É meu caro, a juventude está dando um nó na
cabeça da sociedade: o bom é ser bi.
– O que é isso de bi? Pergunta ninguém.
– É uma zona, no bom sentido da palavra. As
gargalhadas fogem ao me controle.
Bi sexual! Meninos com meninos e com meninas
e vice-versa. Entendeu? Tudo misturado, sexo, bebidas e drogas liberados. Vale
tudo!
Uhu! Que se danem os adultos! Nós podemos
tudo, somos o centro do universo, nós podemos mais, pensam eles. Estão na moda
e a cada dia que passa tem mais adeptos. É up!
Uhu! Exclamo eu, quero ver como a sociedade
vai se posicionar? Que tipo de adultos o planeta terá daqui a dez, vinte anos?
–
Muito estranho isso! Exclama meu amigo Ninguém.
– Meu querido, eu não sei da missa a metade e
sinceramente não estou interessada em entender mais nada com relação as coisas
que minha mente não consegue mais discernir.
Sinto-me um verdadeiro calhambeque. Como
acompanhar esses modernismos que aparecem a cada minuto que passa?
Impossível! Além disso, no momento eu não
passo de mera espectadora, já fui excluída também. Estou desempregada, sou
cinquentona, estou doente, logo, não existo.
Não
sou política, nem consumista, não tenho roupas de grife, televisão 3D e nem
possuo um carrão importado na garagem. Meus valores materiais estão quase
zerados, logo, para eles eu não devo nem pensar, sou carta fora do baralho.
Não tenho nenhum valor, um pé de alface é
muito mais interessante e se comparado a uma picanha sangrenta, noooosssaaaa,
já morri faz tempo e nem sei.
A
esta altura dos acontecimentos e da minha vida, lamentavelmente só me restou
observar.
As cartas já estão na mesa faz tempo e creio
que o jogo não demora muito em acabar.
Já sei o que você está pensando, mas nem ouse
me perguntar.
Como vai acabar? Provavelmente no fim.
O que é o fim? Tal vez seja a chance de um
novo começo, um jogo totalmente novo, quiçá a chance de um novo tempo.
Enquanto esse novo tempo não chega tenho que
salvar a minha pele e como disse meu amigo: Tenho que usar uma roupa nova, um
escafandro, e mudar a expressão do meu rosto, fazer cara de paisagem.
Diálogo X
Querido
Ninguém, não sei isto é um adeus ou um até breve.
Neste
momento sinto-me enojada, quero calar-me.
Desejo que você encontre paz, luz,
fé, educação, saúde, amor e salvação.
Um abraço!
Viviana Moreira.
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